Fraudes que prometem ganhos rápidos — muitas vezes travestidas de “investimentos” em criptoativos — seguem um roteiro conhecido: entrada de novos aderentes paga “rentabilidade” dos antigos, até que o esquema colapsa. Contudo, o ordenamento brasileiro oferece vias administrativas, criminais e cíveis para reagir com técnica e, quando possível, localizar e bloquear valores. A seguir, apresento um guia pragmático, amparado exclusivamente em fontes oficiais.
1) O que a lei diz — e por que isso importa para recuperar valores
Para começar, a Lei 14.478/2022 (Marco Legal dos Criptoativos) fixou diretrizes para serviços com ativos virtuais e trouxe tipos penais específicos ligados a fraudes com cripto, enquanto o Decreto 11.563/2023 atribuiu ao Banco Central a competência regulatória sobre prestadoras de serviços de ativos virtuais (sem prejuízo do papel da CVM quando houver valores mobiliários). Essa moldura define quem pode ser oficiado e como exigir cooperação na investigação e na preservação de ativos.
Além disso, a CVM esclarece que pirâmides financeiras constituem, em regra, crime contra a economia popular (Lei 1.521/1951) e devem ser comunicadas ao Ministério Público, não se tratando de oferta regular do mercado de capitais. A orientação oficial ajuda a classificar juridicamente o caso e a direcionar a atuação.
Do ponto de vista penal, a prática costuma envolver estelionato (art. 171 do CP) e, quando caracterizada a pirâmide, o art. 2º, IX, da Lei 1.521/1951; o STJ consolidou que pirâmide não se enquadra como “atividade financeira” da Lei 7.492/1986, mas sim como crime contra a economia popular — entendimento útil para a competência e tipificação.
2) Medidas imediatas: ganhar tempo é essencial
Primeiro, notifique seu banco e, se pagou via Pix, acione o Mecanismo Especial de Devolução (MED) diretamente no aplicativo. O Banco Central mantém guia técnico e FAQ oficial sobre o MED; quanto mais célere a contestação, maior a chance de bloqueio de valores ainda em trânsito. Guarde protocolos e anexos (comprovantes, prints, links).
Depois, registre Boletim de Ocorrência e preserve provas digitais (contratos, mensagens, endereços de carteiras, hashes de transações). Se o dinheiro foi distribuído por várias contas, isso pode embasar pedidos de bloqueios judiciais sucessivos.
3) Via judicial: como pedir bloqueio e reaver valores
Em juízo, é comum combinar três frentes:
- Tutela de urgência (CPC, art. 300) para congelar ativos e interromper novas captações, demonstrando probabilidade do direito e perigo de dano. A decisão pode fixar astreintes e impor obrigações específicas.
- Bloqueio em contas via Sisbajud (sistema CNJ/BCB que liga o Judiciário às instituições financeiras), inclusive com rotinas de reiteradas pesquisas; convém articular pedidos graduais e justificativos técnicos.
- Ofícios às exchanges: quando a operação passou por prestadora de serviços de ativos virtuais com atuação no Brasil, é possível requerer identificação do usuário, trilhas de transações e congelamento de valores, sob pena de multa. A definição de competências pelo Decreto 11.563/2023 e pela Lei 14.478/2022 sustenta tais ordens.
Quando os recursos migram para plataformas ou contas no exterior, a recuperação tende a depender de cooperação jurídica internacional. Nesses casos, o DRCI/MJSP atua como Autoridade Central para solicitar medidas de rastreamento, congelamento e produção de prova em outros países. É crucial iniciar cedo a coleta documental para instruir o pedido.
4) Enquadramento técnico da fraude: por que a “pirâmide” é diferente
Segundo o portal oficial do investidor no gov.br, a pirâmide usa aportes de novos aderentes para pagar os antigos, com promessas irreais e urgência. Assim, atrasos derrubam o esquema, deixando a maioria no prejuízo. Saber disso ajuda a distinguir entre investimento de risco e fraude organizada, fortalecendo pedidos de bloqueio e de responsabilização.
5) Passo a passo prático para vítimas
- Junte as provas: comprovantes, contratos, prints, endereços de carteiras e hashes.
- Acione o MED do Pix no banco e registre o protocolo.
- Faça o B.O. e descreva a cadeia de pagamentos e perfis envolvidos.
- Procure auxílio jurídico para ajuizar ação com tutela de urgência, ofícios a bancos e exchanges, e pedidos de Sisbajud; peça reiterar as buscas conforme novas informações surgirem.
- Se houver indícios de valores no exterior, solicite cooperação via DRCI com base nos tratados aplicáveis.
6) Responsabilidade civil e penal: o que pedir e contra quem
Na esfera cível, busque ressarcimento integral dos danos materiais, com juros e correção, além de eventual dano moral quando houver abalo relevante. Na esfera penal, a notícia-crime deve apontar estelionato e, quando couber, crime contra a economia popular pela estrutura de pirâmide. O STJ já reafirmou essa moldura, o que auxilia na estratégia processual.
Conclusão
Em síntese, agir rápido e com técnica aumenta as chances de reversão: MED do Pix, B.O., tutela de urgência, Sisbajud e ofícios a exchanges compõem a espinha dorsal dos pedidos, enquanto a cooperação internacional viabiliza medidas fora do país. Ao mesmo tempo, o Marco Legal dos Criptoativos e as orientações da CVM ajudam a enquadrar a fraude e a responsabilizar os envolvidos. Com provas bem reunidas e estratégia processual consistente, é possível mitigar perdas e buscar a recuperação de ativos.










