Reconhecer, no Brasil, os efeitos de uma decisão judicial proferida no exterior é passo indispensável para que ela produza resultados concretos aqui — como executar valores, alterar registros civis ou fazer cumprir obrigações. Esse “porte de entrada” chama-se homologação de decisão (ou sentença) estrangeira e, por força da Constituição, compete ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) processá-la e julgá-la.
Quem julga e por quê
Desde a Emenda Constitucional 45/2004, o STJ, e não mais o STF, é o órgão competente para homologar sentença estrangeira e conceder exequatur a cartas rogatórias. Trata-se de controle de delibação: o Tribunal verifica requisitos formais e a compatibilidade mínima com a ordem jurídica brasileira, sem reexaminar o mérito da causa decidida no exterior.
Em quais normas confiar
A disciplina atual está no Código de Processo Civil (CPC/2015) — arts. 960 a 965 —, complementada pelo Regimento Interno do STJ (RISTJ), arts. 216-A a 216-N, e por normas setoriais (como a Lei de Arbitragem, para sentenças arbitrais estrangeiras). O STJ mantém página oficial com orientações práticas e FAQ atualizados.
Requisitos indispensáveis
O art. 963 do CPC lista os requisitos centrais para homologação:
- decisão proferida por autoridade competente;
- citação regular da parte ré (ou revelia validamente reconhecida);
- eficácia no país de origem;
- inexistência de ofensa à coisa julgada brasileira;
- tradução oficial (salvo dispensa por tratado); e
- ausência de manifesta ofensa à ordem pública.
O CPC também deixou claro que a decisão não precisa, em regra, comprovar trânsito em julgado, bastando que seja eficaz no país em que foi proferida — entendimento acolhido pelo próprio STJ ao harmonizar o RISTJ ao CPC/2015.
Além disso, o RISTJ exige que a petição inicial traga cópia da decisão estrangeira e documentos indispensáveis, traduzidos por tradutor juramentado, e, quando cabível, chancelados (vide observação sobre Apostila, a seguir). Ele também veda a homologação se houver ofensa à soberania, dignidade da pessoa humana ou à ordem pública.
Documentos: legalização consular x Apostila de Haia
Desde 2016, o Brasil aplica a Convenção da Apostila de Haia (Decreto 8.660/2016). Para a imensa maioria dos países signatários, basta apostilar o documento no país de origem para dispensar a antiga “legalização consular”. O CNJ e o Itamaraty oferecem orientações oficiais e a lista de autoridades apostilantes.
Dica prática: verifique se o país de origem é signatário da Convenção. Se for, providencie a Apostila lá; se não for, aplica-se o procedimento de legalização consular tradicional via repartições brasileiras.
Passo a passo do procedimento
- Distribuição no STJ (peticionamento eletrônico): a ação é dirigida ao Presidente do STJ, com representação por advogado(a). Há guia oficial com perguntas frequentes, custas e documentos.
- Citação da parte requerida e manifestação do MPF; defesa limitada aos requisitos legais e regimentais.
- Julgamento (juízo de delibação). Pode haver homologação parcial quando apenas parte da decisão atende aos requisitos.
- Execução no Brasil: concedida a homologação (ou o exequatur, no caso de decisão interlocutória cumprida por carta rogatória), o cumprimento ocorre na Justiça Federal de 1º grau, conforme o art. 965 do CPC.
Direitos assegurados ao interessado
- Efetividade no Brasil: a sentença estrangeira homologada é título executivo judicial e pode ser executada conforme as regras brasileiras.
- Medidas urgentes: mesmo durante a tramitação, é possível buscar tutela provisória quando estritamente necessária — previsão expressa no CPC e no RISTJ.
- Cooperação internacional facilitada: o CPC prevê auxílio direto e carta rogatória para atos que não exigem delibação (ou que demandam execução de medidas de urgência), garantindo celeridade e respeito ao devido processo.
Situações especiais
1) Divórcio consensual estrangeiro
Desde 2016, não é necessária homologação pelo STJ para que a sentença estrangeira de divórcio consensual produza efeitos no Brasil; a averbação pode ser feita diretamente no Registro Civil, conforme CPC, art. 961, §5º, e Provimento CNJ 53/2016 (com regramentos sobre hipóteses simples e qualificadas). O próprio CNJ e o Itamaraty publicam esclarecimentos oficiais.
2) Sentença arbitral estrangeira
A Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) dedica capítulo específico (arts. 37 a 39) à homologação, igualmente sob competência do STJ. O Tribunal reafirma que o controle é de delibação (formal e de compatibilidade) e que só se nega a homologação nas hipóteses legais — p. ex., ofensa à ordem pública.
Erros comuns que atrasam (ou inviabilizam) o pedido
- Documentação sem apostila/legalização adequada ou sem tradução juramentada.
- Prova insuficiente da eficácia no país de origem (p. ex., decisão ainda sem executividade local). O CPC exige eficácia, não necessariamente trânsito em julgado, mas ela deve estar demonstrada.
- Conflito com coisa julgada brasileira ou violação manifesta à ordem pública (temas sensíveis como guarda, alimentos ou práticas contrárias a direitos fundamentais).
Perguntas frequentes (FAQ rápido)
Preciso provar trânsito em julgado?
O CPC pede eficácia no país de origem. O STJ tem aplicado o CPC/2015 de forma prevalente ao RISTJ nessa matéria.
Quanto tempo leva?
Varia conforme a complexidade e a regularidade dos documentos.
Depois de homologar, executo onde?
Na Justiça Federal, conforme art. 965 do CPC.
E se for só intimação, prova ou medida urgente?
Muitas medidas tramitam por carta rogatória (com exequatur do STJ) ou auxílio direto, quando não há decisão a ser delibada.
Conclusão
A homologação de sentença estrangeira é procedimento técnico, porém previsível e seguro quando se respeitam as exigências do CPC, do RISTJ e dos tratados aplicáveis (como a Apostila de Haia). Com documentação completa, tradução adequada e demonstração de eficácia no país de origem, o interessado encontra no STJ um juízo de delibação estável e célere, capaz de transformar uma decisão estrangeira em título plenamente exequível no Brasil.










