A presença de sócio estrangeiro em sociedade limitada brasileira deixou de ser exceção para se tornar realidade cotidiana. Contudo, apesar de a legislação permitir amplamente essa participação, ainda há muitas dúvidas sobre quem pode ser sócio, quais cadastros são obrigatórios, que restrições existem e como a situação migratória do estrangeiro se conecta a esse investimento.
Neste artigo, explico de forma clara – e com base em fontes oficiais como Receita Federal, Banco Central, DREI e Decreto nº 9.199/2017 – o que você precisa saber para incluir um sócio estrangeiro em uma LTDA com segurança jurídica, evitando surpresas na Junta Comercial, no Fisco ou na área migratória.
1. Estrangeiro pode ser sócio de sociedade limitada no Brasil?
Sim. A regra geral do ordenamento brasileiro é permitir a participação de estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas, no capital de sociedades limitadas, ainda que domiciliados no exterior. Essa participação se enquadra como investimento estrangeiro direto, sujeito a regras cadastrais e de registro perante órgãos brasileiros, em especial Receita Federal e Banco Central do Brasil.
Desse modo, em princípio:
- Pessoa física estrangeira pode ser sócia de LTDA, residindo ou não no Brasil;
- Pessoa jurídica estrangeira também pode participar do quadro societário, diretamente, desde que cumpra exigências específicas (CNPJ, procurador, registro de capital estrangeiro, entre outras).
Todavia, como veremos, existem regras complementares e restrições setoriais que precisam ser avaliadas caso a caso.
2. Requisitos cadastrais básicos: CPF, CNPJ, representante e Junta Comercial
Para que um estrangeiro ingresse no contrato social de uma LTDA, a parte burocrática começa, em regra, pela regularidade cadastral perante a Receita Federal.
2.1. Sócio estrangeiro pessoa física
O primeiro requisito prático é obter CPF. A própria Receita Federal deixa claro que o CPF é indispensável em praticamente todos os processos societários e cadastrais; sem ele, a Junta Comercial não consegue concluir o registro e a empresa não consegue ser corretamente enquadrada perante o CNPJ.
Em síntese, o sócio estrangeiro pessoa física:
- precisa de CPF válido no Brasil;
- pode residir no Brasil ou no exterior;
- se residir no exterior, em muitos casos será necessário nomear procurador no Brasil (como veremos adiante).
2.2. Sócio estrangeiro pessoa jurídica
Já a pessoa jurídica estrangeira que ingressa como sócia deve:
- obter CNPJ junto à Receita Federal, na qualidade de entidade domiciliada no exterior;
- indicar representante ou procurador domiciliado no Brasil, conforme exigido pelas normas da Receita (IN RFB 2.119/2022) e pelas regras das Juntas Comerciais;
- observar as exigências do DREI quanto à apresentação de documentos da empresa estrangeira (contrato/estatuto, prova de existência legal no país de origem, atos de nomeação de representantes etc.).
Além disso, a participação dessa pessoa jurídica estrangeira no capital da empresa brasileira será tratada como investimento estrangeiro direto, devendo ser devidamente declarada ao Banco Central, como veremos a seguir.
3. Capital estrangeiro e Banco Central: obrigação de registro do investimento
Sempre que um não residente detém participação no capital social de empresa brasileira, normalmente estamos diante de Investimento Estrangeiro Direto (IED). O Banco Central, por meio da Resolução BCB nº 278/2022 e do sistema SCE-IED (antigo RDE-IED), exige o registro dessas operações e a atualização periódica de informações.
Em linhas gerais:
- o investidor estrangeiro (pessoa física ou jurídica) é não residente;
- a sociedade limitada brasileira é a receptora do capital estrangeiro;
- a empresa no Brasil (ou instituição autorizada) deve lançar e manter atualizado o investimento no SCE-IED, informando aportes, reinvestimentos, conversão em capital, remessas de lucros e demais alterações relevantes.
Esse registro não é meramente formal. Ele é fundamental para:
- garantir a licitude e a rastreabilidade das remessas de e para o exterior;
- assegurar ao investidor o direito de repatriar capital e remeter lucros dentro das normas cambiais;
- evitar autuações e multas por omissão ou atraso nas declarações ao Banco Central.
4. Situação migratória do sócio estrangeiro: preciso morar no Brasil?
Aqui entra o dialogo com a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) e o Decreto nº 9.199/2017. É perfeitamente possível que o estrangeiro seja sócio e permaneça residindo fora do Brasil, sem qualquer pedido de visto ou autorização de residência – especialmente se for investidor financeiro, sem atuação pessoal no dia a dia da empresa.
Por outro lado, se o estrangeiro pretende:
- atuar pessoalmente na gestão da empresa em território brasileiro;
- permanecer no País por períodos prolongados;
- ou, ainda, fixar aqui o seu centro de vida,
é altamente recomendável – e, em muitos casos, juridicamente necessário – que ele busque uma autorização de residência compatível com essa realidade, como a autorização de residência para fins laborais ou a autorização de residência para investimento prevista no Decreto nº 9.199/2017.
O artigo 151 do Decreto nº 9.199/2017 deixa claro que a autorização pode ser concedida ao imigrante que pretenda realizar investimento no País com recursos próprios de origem externa, seguindo critérios definidos em normas infralegais.
Assim, o empresário estrangeiro tem dois planos paralelos a considerar:
- plano societário e econômico (entrada como sócio, registros perante Junta, Receita e Banco Central);
- plano migratório (se, como pessoa física, terá ou não residência e autorização para atuar no Brasil).
5. Administração da sociedade: estrangeiro pode ser administrador?
Esse é um ponto sensível. A Instrução Normativa DREI nº 81/2020, alterada e atualizada por normas posteriores (como a IN DREI nº 1/2024 e a IN 112/2022), passou a admitir expressamente que pessoas físicas residentes no exterior – inclusive estrangeiros – possam ser administradores de sociedade empresária, desde que observadas determinadas condições.
De maneira resumida:
- o estrangeiro residente no Brasil, com CPF e, em caso de imigrante, com documento migratório válido, pode ser nomeado administrador, seguindo as regras gerais;
- o administrador residente no exterior, por sua vez, deve nomear procurador domiciliado no Brasil, com poderes para receber citações judiciais e representá-lo em atos perante órgãos brasileiros – o que é reafirmado tanto por orientações do DREI como por análises recentes da prática registral.
Na prática, isso significa que a empresa deve planejar com cuidado:
- quem serão os sócios (brasileiros e/ou estrangeiros, residentes ou não);
- quem exercerá a administração;
- e quem será o procurador no Brasil, se houver administrador ou sócios não residentes.
6. Proibições e limites importantes: Simples Nacional, setores regulados e imóveis rurais
Embora a regra seja de abertura ao capital estrangeiro, existem vedações expressas e restrições setoriais que afetam diretamente sociedades limitadas com sócio estrangeiro.
6.1. Empresa com sócio domiciliado no exterior não pode optar pelo Simples Nacional
A Lei Complementar nº 123/2006, que instituiu o Simples Nacional, traz uma vedação direta: não pode recolher tributos nesse regime a microempresa ou empresa de pequeno porte que tenha sócio domiciliado no exterior (art. 17, II).
Em síntese:
- se o sócio estrangeiro reside no exterior, a empresa fica impedida de optar pelo Simples Nacional;
- se o sócio estrangeiro é residente fiscal no Brasil, essa vedação não se aplica, desde que as demais exigências para o Simples estejam cumpridas.
Essa distinção – domicílio no exterior x residência no Brasil – é crucial e frequentemente negligenciada em planejamentos societários.
6.2. Participação estrangeira em empresas de comunicação social
Há, ainda, restrições constitucionais expressas. O artigo 222 da Constituição Federal, regulamentado pela Lei nº 10.610/2002, limita a propriedade e o controle de empresas jornalísticas e de radiodifusão a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, permitindo apenas até 30% de capital estrangeiro nessas empresas, em condições específicas.
Portanto, se a sociedade limitada atua em comunicação social (TV, rádio, jornal, revista etc.), a inclusão de sócio estrangeiro exige análise cuidadosa:
- verificação do tipo de atividade desempenhada;
- cálculo do percentual máximo de participação estrangeira;
- observância das regras sobre controle e voto.
6.3. Empresa rural, terras e faixa de fronteira: limites para estrangeiros
Outro campo sensível diz respeito à aquisição de imóveis rurais e ao controle de sociedades que detenham grandes áreas de terra ou atuem em zonas de fronteira. A Lei nº 6.634/1979 define a faixa de fronteira (150 km paralelos à linha divisória do País) como área de segurança nacional, sujeita a controles especiais, e há legislação específica que limita a aquisição de imóveis rurais por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras – bem como por empresas brasileiras controladas por capital estrangeiro.
Em resumo:
- a presença de sócio estrangeiro em empresa que detém ou pretende adquirir imóveis rurais pode acionar um conjunto adicional de exigências (autorização do INCRA, limites de área, restrições em faixa de fronteira etc.);
- nesses casos, é indispensável análise específica, cruzando legislação agrária, constitucional e registral.
7. Quando é indispensável buscar orientação jurídica especializada?
A inclusão de sócio estrangeiro em sociedade limitada parece, à primeira vista, apenas uma questão de “fazer um novo contrato social”. Entretanto, como você viu, há camadas de complexidade:
- interação entre direito societário, tributário, cambial e migratório;
- exigências formais de Receita Federal, Banco Central e DREI;
- vedações específicas ao Simples Nacional;
- restrições constitucionais e infraconstitucionais a determinados setores.
Por isso, sempre que houver:
- sócio domiciliado no exterior;
- intenção de optar ou permanecer no Simples Nacional;
- atuação em segmentos sensíveis (comunicação, rural, fronteira, segurança nacional);
- necessidade de residência migratória ligada ao investimento;
é altamente recomendável contar com assessoria jurídica especializada em Direito Empresarial, Internacional e Migratório, a fim de estruturar o investimento com segurança, reduzir riscos futuros e assegurar que o negócio esteja em plena conformidade com as normas brasileiras.
Conclusão: investir com segurança começa pelo desenho jurídico correto
Incluir um sócio estrangeiro em sociedade limitada é possível, é comum e pode ser extremamente vantajoso, desde que o processo seja conduzido com técnica. Ao compreender os requisitos cadastrais, as obrigações perante o Banco Central, as regras de residência e administração e as proibições específicas, o investidor – e a empresa brasileira – ganham previsibilidade, proteção e credibilidade.
Se você está avaliando a entrada de um sócio estrangeiro, o momento ideal para buscar orientação é antes de assinar qualquer contrato. Assim, você transforma um simples ato societário em um passo sólido de planejamento estratégico e segurança jurídica.










