A saída de sócio em sociedade limitada (LTDA) pode ocorrer por retirada voluntária, recesso, cessão de quotas ou exclusão (judicial ou extrajudicial). Em todos os casos, o contrato social, o Código Civil (Lei nº 10.406/2002), o CPC/2015 (arts. 599-609), as normas do DREI (IN DREI nº 81/2020) e regras de Junta Comercial/Receita Federal orientam o procedimento. O sócio retirante tem direito à apuração de haveres (art. 1.031 do CC) e permanece com responsabilidades por até 2 anos após a averbação perante a Junta (arts. 1.003, parágrafo único, 1.032 do CC e art. 10-A da CLT). Planejar bem a forma de saída, a documentação e o momento da data de resolução reduz litígios, custo e risco.
1) Formas de saída e fundamentos legais
1.1 Retirada voluntária (denúncia imotivada)
Quando a sociedade tem prazo indeterminado, o sócio pode se retirar sem necessidade de motivação, mediante notificação com antecedência mínima de 60 dias, salvo prazo diverso no contrato social (art. 1.029 do CC).
Efeitos práticos: a retirada se aperfeiçoa com a averbação da alteração contratual na Junta Comercial; em seguida, inicia-se a apuração de haveres e contam-se prazos de responsabilidade residual.
1.2 Direito de recesso por alteração relevante
Se a sociedade limitada adotar, no contrato, a regência supletiva da Lei das S.A., determinadas deliberações podem ensejar direito de recesso ao dissidente, nos termos do contrato e da lei aplicável. Além disso, alterações essenciais do contrato social podem, conforme o caso, abrir espaço para a saída do sócio que não consente (interpretação sistemática do art. 1.029 do CC, do regime das limitadas e das regras de unanimidade/maiorias).
Boa prática: prever expressamente no contrato quais deliberações dão direito de recesso, prazo para exercício e critérios de avaliação dos haveres.
1.3 Cessão e transferência de quotas
O sócio pode sair mediante cessão de suas quotas a outro sócio ou a terceiro, observados os requisitos de anuência e eventuais direitos de preferência definidos no contrato social e no art. 1.057 do CC.
Pontos de atenção: preço, declarações e garantias, passivos ocultos, efeitos fiscais, data de corte e averbação na Junta.
1.4 Exclusão de sócio
- Por justa causa, extrajudicial: possível quando há falta grave que coloca em risco a continuidade da empresa, mediante deliberação de mais da metade do capital social, se houver previsão contratual (art. 1.085 do CC).
- Judicial: na ausência de previsão contratual ou diante de outras hipóteses graves, a sociedade pode buscar a exclusão em juízo (regime do CC combinado com o CPC/2015, arts. 599-609, sobre dissolução parcial).
- Sócio remisso: por inadimplemento da integralização, a exclusão segue o rito legal específico (arts. 1.004 e correlatos do CC).
- Documentação cuidadosa do fato gerador e do devido processo deliberativo é indispensável.
2) Apuração de haveres: como calcular com segurança
2.1 Base legal e método
A apuração de haveres está no art. 1.031 do CC e, em processos judiciais, no CPC/2015, arts. 599-609. Em regra, utiliza-se balanço de determinação na data da resolução da sociedade em relação ao sócio (isto é, a data do evento que rompe o vínculo societário: retirada, exclusão ou óbito, por exemplo).
Recomendável: que o contrato social defina o critério de avaliação (ex.: valor econômico, fluxo de caixa descontado, múltiplos, patrimônio líquido ajustado), tratamento de intangíveis (marca, carteira de clientes, tecnologia), dívidas contingentes, ágio/deságio e metodologia de ajustes.
2.2 Data de corte e documentos
Fixe, com precisão, a data de resolução, pois ela orienta:
- o balanço especial/de determinação;
- a projeção de fluxos (se o critério for econômico);
- os ajustes de capital de giro;
- a alocação de resultados pré e pós-saída.
2.3 Pagamento dos haveres
O contrato pode prever parcelamento, juros, índice de atualização e garantias. Na falta de estipulação, aplica-se o regime legal; em litígio, o juiz define a forma de pagamento com base em prova pericial e na capacidade financeira da sociedade (CPC).
3) Responsabilidades do sócio retirante: o que permanece e por quanto tempo
3.1 Responsabilidade societária e civil
- Art. 1.003, parágrafo único, do CC: o sócio que cede quotas ou se retira responde solidariamente com o cessionário e com a sociedade pelas obrigações anteriores à averbação da modificação contratual, por 2 anos a contar da averbação.
- Art. 1.032 do CC: o sócio que se retira responde, por 2 anos, pelas obrigações sociais anteriores à averbação, perante terceiros.
3.2 Trabalhista
- Art. 10-A da CLT (inserido pela Lei nº 13.467/2017): o sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas do período em que integrou a sociedade, por até 2 anos após a averbação da alteração contratual.
3.3 Tributária
O CTN (arts. 134 e 135) prevê hipóteses de responsabilidade pessoal de administradores por infrações ou atos com excesso de poderes/violação de lei, contrato ou estatutos. Isso exige cautela na gestão pré-saída e na entrega formal do cargo (quando o sócio é também administrador).
4) Procedimento prático: do aviso à averbação4.1 Planejamento e notificação
- Releia o contrato social: verifique prazo da sociedade, quóruns, direito de recesso, preferência na cessão, cláusula de exclusão e método de haveres.
- Escolha a via adequada: retirada (art. 1.029), recesso, cessão de quotas ou exclusão.
- Notifique formalmente os demais sócios/sociedade no prazo e forma exigidos (prova de recebimento).
4.2 Alteração contratual e Junta Comercial
- Redija a alteração do contrato social, com os efeitos da saída (redistribuição de quotas, administração, capital).
- IN DREI nº 81/2020 (Manual de Registro de Sociedade Limitada) orienta os documentos exigidos para arquivamento.
- Averbe o ato na Junta Comercial competente (ex.: JUCESP, em São Paulo). A partir da averbação, contam-se os prazos de responsabilidade residual.
4.3 Receita Federal (CNPJ)
- Atualize o QSA (quadro de sócios e administradores) e dados cadastrais na Receita Federal do Brasil (RFB), conforme o procedimento do CNPJ.
- A divergência entre Junta e CNPJ causa bloqueios bancários, dificuldades fiscais e riscos de autuação. Mantenha a coerência documental.
4.4 Apuração e pagamento de haveres
- Formalize a metodologia, a data de resolução e o cronograma.
- Se houver litígio, a dissolução parcial e a apuração seguem o CPC/2015 (arts. 599-609), com perícia contábil e decisão judicial sobre critérios, prazos e garantias.
5) Cuidados contratuais que evitam litígios
- Cláusula de saída e de recesso: descreva hipóteses e prazos.
- Método de avaliação: especifique balanço de determinação, critérios de valuation (ex.: PL ajustado, fluxo de caixa descontado), índices e juros.
- Não competição e confidencialidade: delimite escopo, prazo, território e penalidades, observada a razoabilidade.
- Vesting/cláusulas para sócio-executivo: alinhe expectativa de permanência e efeitos em caso de saída antecipada.
- Quóruns e exclusão por justa causa: preserve governança e continuidade (art. 1.085 do CC).
- Seguro D&O (quando couber) e quitação recíproca: mitigue riscos pessoais e encerre pendências com clareza.
- Mediação e arbitragem: defina foro negocial para disputas (especialmente sobre haveres).
6) Erros comuns e como preveni-los
Ignorar prazos de notificação e averbação → mantenha um calendário de atos.
- Não fixar a data de resolução → causa controvérsia na apuração.
- Misturar caixa da sociedade com haveres do sócio → compromete o capital de giro; avalie parcelamentos e garantias.
- Desalinhamento Junta × CNPJ → atualize ambos.
- Subestimar responsabilidade pós-saída (2 anos) → negocie quitação, garantias e mantenha provas de que cumpriu seus deveres de gestão.
- Contrato social lacônico → revisite e modernize cláusulas antes de um evento de liquidez ou conflito.
Conclusão
Sair corretamente de uma LTDA exige estrita observância ao contrato social e à legislação oficial. Ao combinar planejamento, documentação precisa e registro tempestivo em Junta/CNPJ, você protege patrimônio, preserva a empresa e reduz litígios. Por fim, definir claramente a data de resolução e o método de apuração de haveres é o coração técnico do processo.










